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Cinemas multiplex e exibição cinematográfica

  • Miguel Rodrigues Nunes Neto
  • 18 de out. de 2017
  • 4 min de leitura

A exibição cinematográfica vem se reinventando desde que os irmãos Lumière fizeram sua famosa apresentação em 1895, inaugurando a era moderna da cinematografia. Criatividade é a pedra de toque deste processo de contínua renovação, e o modelo multiplex representa um desses passos na evolução da indústria.

Concebido em 1963 pelo pioneiro Stan Durwood, proprietário da AMC Theatres e conhecido como “pai do cinema multiplex”, o então novo modelo de negócios partiu da constatação de que múltiplas salas de exibição poderiam fomentar o acesso ao cinema pelo grande público e também prover maiores retornos financeiros. Em seu conceito, alicerçado em premissas teóricas de Alfred Marshall e Adam Smith, estava o princípio básico da economia de escala: quanto maior for o potencial de público por exibição cinematográfica, menor será o custo individual do serviço e melhores serão as margens do negócio.

Em artigo publicado no European Cinema Journal nº 2, de 1999, a especialista Elisabetta Brunella destaca que são critérios para a definição do cinema como multiplex a presença de serviços auxiliares fornecidos no próprio estabelecimento, tais como lanchonetes (Snack Bars) e estacionamentos, e que o local seja projetado para receber várias salas de exibição. A quantidade de salas de exibição necessárias gera debates, embora mereça referência o estudo desenvolvido pela London Economics e publicado no segundo volume do European Exhibition Industry, de 1994, onde se definiu que somente poderão ser considerados multiplex os cinemas que tenham, ao menos, oito salas de exibição em suas instalações – menos que isto seria considerado um cinema multiscreen.

No Brasil, a Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (ABRAPLEX) adota outros critérios, embora semelhantes, e define como multiplex aqueles cinemas localizados em shopping centers com ao menos cinco salas de exibição, um mínimo de mil poltronas e a presença de lojas de conveniência em suas instalações. Merece destaque a localização em shopping centers, critério genuinamente brasileiro para o conceito multiplex.

Superado o debate conceitual, fato é que os cinemas multiplex têm importância central para a indústria cinematográfica e de entretenimento, fomentando não apenas a produção nacional de filmes como também a democratização do acesso à cultura, a exemplo do carioca projeto piloto “Multiplex Popular”, financiado pelo “Programa Cinema Perto de Você” da ANCINE com recursos do BNDES. Este programa foi instituído pela Lei nº 12.599, de 2012, e se destina a fomentar o mercado de salas de exibição cinematográfica no Brasil mediante quatro objetivos: (1) fortalecer o segmento dos exibidores cinematográficos; (2) democratizar o acesso ao cinema; (3) reduzir o preço do ingresso; e (4) descentralizar o parque exibidor com a abertura de salas em cidades de porte médio e bairros populares das grandes cidades.

Todos os objetivos da norma são mais facilmente alcançáveis por meio da adoção do modelo de negócio multiplex, que, em razão de sua escala, permite o acesso ao grande público por ingressos a preços menores. O modelo também tem vocação especial para funcionar em cidades de médio porte, onde exista, ao menos, um pequeno shopping center.

Neste sentido, a própria ANCINE reconhece a necessidade de instalação de múltiplas salas de exibição para que o negócio de exibição cinematográfica seja economicamente viável. É o que se observa a partir da análise das “condições financeiras de enquadramento” para obtenção de crédito junto ao Programa, que prevê a instalação mínima de três salas de exibição para liberação dos recursos.

E não é só. O segmento multiplex tem impactos econômicos reflexos ao estimular as vendas do varejo e movimentar o comércio instalado ao seu redor. Segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), as salas de cinema instaladas em shopping centers são o motivo ignitor para cerca de 53% da população frequentar estes centros comerciais porquanto ainda serem uma opção barata de lazer. Fundamental a importância desse segmento empresarial também para o faturamento local dos municípios, que são beneficiados pelo recolhimento direto do Imposto sobre Serviços (ISS) – conforme determinação do item 12.02 da Lista de Serviços Anexa à Lei Complementar nº 116/2003 – e também pela elevação da arrecadação estadual e federal proveniente do comércio instalado nos shopping centers que têm cinemas multiplex em suas instalações.

Apresentado esse panorama geral sobre os cinemas multiplex, questiona-se: estaria o segmento empresarial, dada sua importância econômica e cultural, recebendo a devida importância dos poderes públicos? É certo que não.

A ausência de regulamentação do modelo de negócio Multiplex tem levado a questionamentos judiciais sobre a licitude da proibição de acesso às salas pelo público com alimentos externos não adquiridos no interior do cinema, o que tem sido considerado venda casada pelos Procons e pelo Superior Tribunal de Justiça. No Supremo Tribunal Federal (STF), o tema é objeto da ADPF 398 ainda pendente de julgamento. Existem ainda questionamentos trabalhistas sobre o acúmulo de funções de empregados que prestam mais de um dos serviços oferecidos pelo cinema.

Essas e outras situações de insegurança jurídica vivenciadas pelos empresários do setor resultam do não reconhecimento da unidade do negócio e do serviço prestado, que não se trata de simples exibição cinematográfica, mas sim de uma ampla experiência de entretenimento resultante da imersão do consumidor em um complexo universo que gravita ao redor da obra audiovisual em si. Não é simplesmente ver um filme, mas viver a experiência de assistir a um filme.

Esta unidade do negócio e do serviço prestado assemelha-se, mutatis mutandis, ao modelo dos eventos esportivos e grandes espetáculos teatrais, onde o entretenimento não está apenas na exibição em si, mas também na imersão do espectador em um ambiente todo particular que intensifica a experiência sensorial, não limitada à simples audiência do evento esportivo, da apresentação teatral, ou, ainda, da exibição cinematográfica. É exemplo desta unidade aquele modelo normatizado pela Lei Geral da Copa (nº 12.663, de 2012), que limitou a comercialização de alimentos e produtos àqueles vendidos no interior dos estádios. Nada mais natural.

Por tais razões, é urgente a necessidade de avanços legais para que o segmento dos exibidores cinematográficos possa desenvolver o modelo de negócios multiplex com segurança jurídica, notadamente em temas consumeristas, trabalhistas e tributários, o que se iniciará com a instituição de um marco legal que dê unidade ao negócio e ao serviço prestado.

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Miguel Rodrigues Nunes Neto - Advogado do escritório Burjack, Nunes & Vasconcelos Advogados e assessor jurídico de entidades sindicais e associativas de servidores

Thiago Oliveira de Castro - Advogado especialista em Direito Público e Professor de Direito Administrativo e Constitucional

Publicado originalmente aqui.

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